Qual a importância do aconselhamento genético?
Existem mais de oito mil doenças genéticas e, dependendo do caso, pode existir um risco grande de ela ser transmitida para os descendentes. Para obter o diagnóstico da doença, fazer a avaliação desse risco e ter o acompanhamento da condição, é importante procurar aconselhamento genético. Para falar sobre o assunto, o Grupo Leforte convidou o Dr. Rodrigo Ambrosio Fock, que é médico geneticista.
ACONSELHAMENTO GENÉTICO – o que é para que serve?
DR. RODRIGO AMBROSIO FOCK – de certa forma, podemos simplificar o significado do termo “aconselhamento genético” para o processo de comunicação do risco de ocorrência ou recorrência de uma condição genética na família. Mas, na prática, o aconselhamento genético também envolve a investigação etiológica, ou seja, da causa da condição.
Isso porque, muito raramente, o paciente procura o médico para ter somente o aconselhamento genético. Geralmente, a busca é pela investigação diagnóstica. Por exemplo: uma criança que nasceu com uma malformação, ou tem um atraso de desenvolvimento, ou uma deficiência intelectual, é trazida para consulta para saber se essa condição pode ser genética.
Então, é feita uma consulta padrão, com anamnese, exame físico para se chegar a uma hipótese diagnóstica e, muitas vezes, o paciente precisa fazer ainda exames complementares, incluindo exames genéticos – e existe uma grande gama deles, cada um com um determinado objetivo. A partir do momento que se tem o diagnóstico, que pode ser clínico ou confirmado por exames, se faz uma série de orientações sobre o acompanhamento que o paciente e a família precisam ter e se fala sobre o risco de recorrência.
Mas, também pode acontecer de a pessoa procurar um aconselhamento genético específico. Quando isso ocorre, é mais frequente que seja alguém que tenha um filho com uma síndrome genética e que deseja saber se existe o risco de ter outro filho com a mesma condição. Ou, então, é uma pessoa com uma síndrome genética que deseja saber se há risco de ter um filho com a mesma síndrome.
Na maioria das vezes, é esse núcleo familiar que busca um aconselhamento genético específico. Mas, também pode acontecer de parentes mais afastados procurarem aconselhamento. Como uma pessoa que deseja saber se há o risco de ter um filho com a mesma malformação que o primo dela teve, por exemplo.
ACONSELHAMENTO GENÉTICO – em quais situações é recomendável fazer o aconselhamento genético?
DR. RODRIGO AMBROSIO FOCK – é recomendável fazer o aconselhamento genético em qualquer situação que exista uma doença genética envolvida. Mesmo que a pessoa não tenha interesse em ter filhos, ela pode consultar um médico geneticista para ter mais informações a respeito da doença. Embora, geralmente, o aconselhamento genético seja mais procurado por casais que querem filhos e desejam orientação sobre o risco de ocorrência ou recorrência de alguma condição genética.
ACONSELHAMENTO GENÉTICO – existem grupos de doenças hereditárias?
DR. RODRIGO AMBROSIO FOCK – primeiramente, é importante esclarecer que nem sempre uma doença genética é hereditária. Muitas vezes, uma determinada síndrome, ou doença genética, aconteceu na formação da pessoa, não é algo herdado da família. Entretanto, a partir do momento que isso acontece, dependendo de alguns fatores, pode haver um risco maior, menor ou até inexistente de passar a condição adiante quanto a pessoa tiver filhos.
De qualquer maneira, existem mais de oito mil doenças genéticas, que podem ser divididas em grandes grupos. Entre esses grupos de questões genéticas estão:
- Doenças raras – a maioria delas, até 80%, são de origem genética;
- Síndromes malformativas – quando a criança nasce com alguma malformação congênita, por exemplo, no coração, na mãozinha, no pezinho etc.;
- Transtornos de neurodesenvolvimento – entram aqui, por exemplo, atraso de desenvolvimento, como dificuldade de andar, atraso de falar, deficiências intelectuais, autismo, entre outros;
- Erros inatos do metabolismo – geralmente, são defeitos complexos do metabolismo, que envolvem manifestações como epilepsia, hipotonia, convulsão, perda dos marcos do desenvolvimento, entre outras;
- Doenças neurogenéticas e neuromusculares – como fraqueza muscular, seja desde a infância ou progressiva de início mais tardio, quadro convulsivo de difícil controle, além de ataxia, que é uma alteração na forma de andar;
- Genética reprodutiva – situações como aborto de repetição e de infertilidade podem ter causas genéticas;
- Oncogenética – pode haver uma predisposição genética quando há casos de câncer na família, ou se alguém tem câncer muito jovem, ou um tipo raro de câncer.
ACONSELHAMENTO GENÉTICO – como é feito?
DR. RODRIGO AMBROSIO FOCK – o aconselhamento genético é um processo de comunicação. Ele envolve uma primeira fase, que é de consulta, na qual é feito anamnese, incluindo história familiar, exame físico e solicitação de exames complementares. Depois, vem a fase onde se fecha o diagnóstico com o resultado dos exames, quando é feita a orientação sobre o diagnóstico e o prognóstico. Há ainda uma fase de cálculo do risco, onde se estuda qual a chance de recorrência da doença, e também a fase da comunicação desse risco para o paciente.
Depois, vem a fase de seguimento, com o acompanhamento do paciente em longo prazo, porque muitas das doenças e das síndromes genéticas podem ter riscos relacionados a outras comorbidades, que são outras coisas que podem acontecer com a pessoa ao longo da vida. Um exemplo são as pessoas com síndrome de Down, que têm 10 vezes mais risco de desenvolver leucemia.
Dependendo do caso, o acompanhamento pode ser feito em consultas semestrais, anuais ou com algum outro intervalo de tempo. Nessas consultas, são reforçados os pontos do aconselhamento genético propriamente dito e das orientações sobre a doença.
ACONSELHAMENTO GENÉTICO – o Hospital Maternidade Christóvão da Gama (HMCG) tem uma área dedicada ao assunto?
DR. RODRIGO AMBROSIO FOCK – em maio de 2022, vai começar a funcionar no HMCG um ambulatório de atendimento em genética médica, no qual será realizado aconselhamento genético em conjunto.
ACONSELHAMENTO GENÉTICO – como funciona essa área do HMCG?
DR. RODRIGO AMBROSIO FOCK – os interessados poderão buscar diretamente o atendimento no ambulatório de genética médica do Hospital Maternidade Christóvão da Gama para conversar, por exemplo, sobre o risco de vir a ter um filho com a mesma condição genética de um familiar, ou sobre quais os riscos de casal consanguíneo (primos, por exemplo) ter filhos com algum problema genético por conta disso.
Mas, como acontece em outros locais em que já existe esse tipo de atendimento, é provável que a grande maioria dos pacientes chegue até o ambulatório de genética médica do HMCG por encaminhamento de médicos de outras especialidades que suspeitem de alguma síndrome ou doença genética, como um neuropediatra, um endocrinopediatra, um gastropediatra ou um oncologista.
Em muitas situações, como quando existe a presença de uma doença genética na família, o ideal é que o aconselhamento genético seja feito antes de engravidar para poder conversar sobre esses riscos e o casal tomar a decisão de forma consciente.
Um ponto importante é que, embora o termo “aconselhamento genético” induza a se pensar que o médico vai dar algum conselho, não é isso que é feito. O objetivo é dar todas as informações para que o paciente, ou a família, tome decisões de forma consciente. Nunca em um aconselhamento genético será dito para um casal não ter filhos, ou o que ele deve fazer, por exemplo. O que será feito é orientar sobre o risco de o casal ter um filho com uma síndrome ou uma doença genética e dar todas as ferramentas para que eles possam tomar decisões da forma mais confortável e consciente possível.

O Dr. Rodrigo Ambrosio Fock é médico geneticista, atua no Centro de Genética Médica da UNIFESP e é coordenador dos médicos geneticistas das unidades de saúde da rede Dasa.