O tratamento das doenças reumáticas autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide, sofreu um grande avanço longo das últimas décadas devido ao desenvolvimento de terapias biológicas ou imunobiológicos. Para falar sobre o assunto, o Leforte convidou o médico reumatologista Dr. Ricardo Amaro.
DOENÇAS REUMÁTICAS – o que são as doenças reumáticas e quais as mais frequentes?
DR. RICARDO AMARO – as doenças reumáticas constituem um grupo que acomete o aparelho locomotor, incluindo as articulações popularmente conhecidas como “juntas”, além de ossos, músculos, cartilagens e tendões. Precisa-se ressaltar que podem, muitas vezes, acometer outros sistemas, incluindo pele, sistema respiratório, renal, gastrointestinal e até mesmo cardíaco e neurológico.
De acordo com o Ministério da Saúde, existem mais de 100 doenças reumáticas. Em geral, são doenças que se manifestam com sintoma de dor.
Nos adultos, as doenças reumáticas mais frequentes são:
- Osteoartrite (artrose);
- Gota (distúrbio associado ao ácido úrico);
- Osteoporose (doença que aumenta risco de fratura);
- Fibromialgia;
- Artrite reumatoide;
- Lúpus eritematoso sistêmico;
- Espondiloartrites (como a espondilite anquilosante e artrite psoriásica).
Em crianças, podemos citar a artrite idiopática juvenil.
DOENÇAS REUMÁTICAS – O que cada uma das doenças reumáticas mais frequentes pode causar? Existem grupos em que são mais frequentes?
DR. RICARDO AMARO – dores e inchaço nas articulações estão entre os sintomas mais comuns das doenças reumáticas.
Apesar de afetar homens e mulheres, jovens e idosos, a maior prevalência é entre as mulheres na faixa etária entre 30 e 40 anos. Algumas doenças podem ser muito mais frequentes em mulheres, como o lúpus eritematoso sistêmico, a artrite reumatoide e a osteoporose. Outras, como a espondilite anquilosante e a gota, são mais comuns em homens.
Existem sinais que muitas pessoas apresentam que têm relação com as doenças reumáticas, sendo importante seu reconhecimento para um diagnóstico precoce. É importante observar estas queixas a seguir:
- Inchaço, vermelhidão e calor nas articulações (juntas), como o relato de mãos inchadas;
- Dificuldade para se movimentar, podendo ser manifesta com rigidez nas articulações ao acordar;
- Diminuição da flexibilidade da coluna;
- Dor noturna nas costas, principalmente em pacientes jovens;
- Limitação para pentear os cabelos ou escovar os dentes;
- Fadiga muscular e cansaço que não melhoram apesar do descanso adequado;
- Olhos avermelhados e secos, com sensibilidade à luz;
- Sintomas de boca seca e alterações na condição bucal, como ulceração oral, gengivite e periodontite;
- Extremidades do corpo mais sensíveis ao frio, como pés, mãos e orelhas, podendo ficar dormentes com facilidade;
- Pele com coloração azulada, conhecido como fenômeno de Raynaud;
- Lesões de pele avermelhadas recorrentes podem ser relacionadas a algumas doenças como psoríase ou lúpus cutâneo.
Como algumas doenças reumáticas têm sintomas parecidos, é imprescindível uma consulta com um reumatologista para o reconhecimento precoce e instrução do tratamento apropriado àquela doença identificada.
DOENÇAS REUMÁTICAS – Toda doença reumática é autoimune? Caso negativo, quais são e quais não entre as mais conhecidas?
DR. RICARDO AMARO – nem toda doença reumática é considerada autoimune, o termo mais adequado atualmente é doenças reumáticas imunomediadas (DRIM). O mecanismo autoimune está associado, em geral, à presença de autoanticorpos identificados em algumas doenças. Em outras, é possível falar de mecanismo inflamatório causado pela desregulação de citocinas inflamatórias.
São consideradas doenças imunomediadas:
- Artrite reumatoide;
- Lúpus eritematoso sistêmico;
- Espondilite anquilosante;
- Artrite psoriásica;
- Síndrome de Sjogren;
- Esclerodermia sistêmica.
Doenças não consideradas autoimunes podemos citar, dentre as principais, osteartrite, gota, osteoporose, fibromialgia.
DOENÇAS REUMÁTICAS – O que pode levar o sistema imune a atacar o organismo e desencadear uma doença reumática?
DR. RICARDO AMARO – as doenças autoimunes são causadas por um desequilíbrio no sistema imunológico, levando o corpo a atacar os seus próprios tecidos. Ainda não se sabe o mecanismo exato para que se desenvolvam as doenças autoimunes. No entanto, diversos fatores genéticos já foram mapeados em algumas doenças, por isso, é muito importante conhecer a história familiar.
Muitas doenças podem resultar da produção de autoanticorpos que, em vez de protegerem, passam a atacar o próprio organismo. Existem diversos outros fatores relacionados ao desenvolvimento das doenças reumáticas, podendo estes serem reconhecidos como fatores de risco:
- Obesidade;
- Sedentarismo;
- Traumatismos;
- Estresse;
- Ansiedade;
- Depressão;
- Tabagismo;
- Fatores ambientais como clima e até mesmo poluição;
- Alguns medicamentos podem levar ao desenvolvimento de quadros autoimunes.
Não obstante é comum o aparecimento após quadros infecciosos, que podem servir como um gatilho para o desenvolvimento de doenças autoimunes.
DOENÇAS REUMÁTICAS – Qual o percentual da população mundial que essas doenças afetam? E qual a prevalência delas no Brasil?
DR. RICARDO AMARO – as doenças reumáticas afetam cerca de 10% da população mundial. Este percentual varia muito em razão das diferenças geográficas e em razão do componente genético de algumas doenças. De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, as doenças reumáticas já afetam aproximadamente 15 milhões de brasileiros.
A artrite reumatoide é umas das doenças mais prevalentes, podendo afetar uma percentagem elevada da população (cerca de 0,5% a 1%), tendo muita relevância em razão de ser muito incapacitante.
DOENÇAS REUMÁTICAS – Qual o impacto do advento dos medicamentos imunobiológicos para o tratamento das doenças reumáticas autoimunes?
DR. RICARDO AMARO – o tratamento das doenças reumáticas autoimunes sofreu uma progressiva melhora ao longo das últimas décadas, que foi expandida com a contribuição das terapias biológicas ou imunobiológicos. Todo esse processo tem implicado na melhoria dos resultados terapêuticos e da qualidade de vida, bem como na redução na morbi‐mortalidade dos pacientes.
DOENÇAS REUMÁTICAS – O que são os medicamentos autoimunes, como agem?
DR. RICARDO AMARO – os medicamentos imunobiológicos são fruto do desenvolvimento de terapias mais alvo-específicas, atuando no bloqueio de citocinas inflamatórias, alvos celulares ou intra-celulares. Por esses mecanismos, é possível obter o melhor controle do processo autoimune e do quadro inflamatório ocasionado nessas doenças, evitando dano tanto articular e em outros órgãos.
DOENÇAS REUMÁTICAS – Para iniciar um tratamento com medicamento imunobiológico, quais critérios devem ser seguidos? Existem contraindicações para o uso deles?
DR. RICARDO AMARO – o uso de terapia com medicamentos biológicos segue diretrizes de cada patologia. Em geral, são pacientes com falha ao tratamento convencional ou que tiveram efeitos colaterais indesejáveis. Há situações em que estes tratamentos podem ser utilizados como primeira linha em pacientes com doença muito grave ou avançada.
Algumas comorbidades podem impedir o uso destas terapias como a presença de câncer, casos graves de insuficiência renal ou cardíaca, infecções crônicas graves não controladas. É preciso ressaltar que em razão de poucos estudos na gestação, algumas medicações podem ter seu uso restrito.
DOENÇAS REUMÁTICAS – Existem riscos no tratamento com imunobiológicos? Por que pessoas que usam esse tipo de medicamento foram consideradas como grupo de risco para Covid-19?
DR. RICARDO AMARO – os medicamentos biológicos são considerados medicamentos muito seguros para o tratamento das doenças reumáticas autoimunes. No entanto, são necessários cuidados em razão do aumento de risco de algumas complicações, por exemplo, doenças infecciosas. É necessária uma avaliação cuidadosa desse risco por meio do histórico prévio de doenças, atualização do cartão vacinal e exames laboratoriais para conhecer o status epidemiológico de doenças como hepatites virais, tuberculose entre outras.
Em relação à Covid-19, os portadores de doença reumática imunomediada (DRIM) possuem disfunção imunitária e estão frequentemente em terapia com glicocorticoides e/ou imunossupressores, o que predispõe a um risco aumentado de contrair uma infecção, visto que ambas as condições se sobrepõem. Sabemos, atualmente, que esse risco em pacientes com doença controlada é semelhante ao da população em geral. No entanto, pacientes com doença ativa e em uso de algumas terapias, como o medicamento rituximabe, podem ter sua resposta vacinal alterada. Sendo, portanto, necessária a prioridade bem como as doses de reforço para melhor cobertura vacinal desta população.
DOENÇAS REUMÁTICAS – Terapias complementares e mudanças no estilo de vida também são importantes nos tratamentos de doenças reumatológicas?
DR. RICARDO AMARO – é de suma importância modificar alguns hábitos para, dentro do possível, melhorar o prognóstico e até mesmo prevenir o surgimento das doenças reumáticas. Dentre as recomendações tem-se:
- Mantenha-se no peso adequado para a sua altura;
- Adote uma alimentação saudável, incluindo alimentos ricos em cálcio, prefira alimentos não processados;
- Mantenha níveis adequados de vitamina D;
- Pratique atividade física regularmente;
- Utilize calçados adequados;
- Mantenha uma postura correta e faça exercícios de relaxamento muscular e alongamento ao longo do dia;
- Faça o controle do estresse com planejamento adequado de suas atividades, mantenha suas crenças e adote práticas que possam melhorar seu bem-estar mental como a meditação;
- Evite esforços excessivos e sobrecarga de qualquer articulação;
- Evite tabagismo e excesso de bebidas alcoólicas.
O Dr. Ricardo Amaro fez residência médica em reumatologia e mestrado em vasculites sistêmicas pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). Possui atuação na parte acadêmica como professor e pesquisador na disciplina de reumatologia da FASM. Médico da ImunoBrasil, possui experiência no atendimento de doenças reumáticas imunomediadas em pacientes ambulatoriais, centro de infusão e dentro do ambiente hospitalar. Realiza atendimento ambulatorial no Hospital Leforte Morumbi às segundas-feiras, na parte da manhã.
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