Todo ano no mês de fevereiro é realizada a campanha Fevereiro Roxo com o objetivo de conscientizar sobre algumas doenças crônicas e que ainda não têm cura, como o Alzheimer, que afeta mais de 47 milhões de pessoas no mundo e cerca de 1,2 milhão só no Brasil. Para saber o que é a doença, o que pode causá-la, quais tratamentos estão disponíveis atualmente e o que as pessoas podem fazer para diminuir as chances de desenvolvê-la, leia a entrevista com o Dr. Gabriel Bienes, que é o chefe da equipe de neurologia do Hospital Leforte Liberdade.
O que é Alzheimer?
“Para entendermos o que é Alzheimer, precisamos primeiro definir brevemente o que é cognição e demência”, diz o Dr. Gabriel. Isso porque “a doença de Alzheimer é uma das causas mais comuns de demência, responsável por 60 a 80% dos casos em idosos”.
Cognição – é a nossa capacidade mental, sendo composta de vários domínios: aprendizado e memória, linguagem, função executiva, atenção, cognição social, motora e perceptual.
Demência – é caracterizada por um quadro adquirido, em que existe uma perda, declínio em um ou mais destes domínios da cognição, sendo essa perda grave o bastante para limitar a independência e interferir com as habilidades de vida diária da pessoa. Essas habilidades de vida diária são as diretamente relacionadas com o cuidado com o próprio corpo, como comer, se vestir, higiene pessoal e mobilidade, entre outras.
Já o declínio cognitivo leve, explica o especialista, “é um estado intermediário entre o estado normal e o quadro demencial, onde existe declínio cognitivo objetivo (visto inclusive nos testes que os profissionais de saúde fazem), porém, não há prejuízo maior para funcionalidade da pessoa. Este quadro pode vir a se tornar de demência ou pode ser um quadro reversível e transitório”.
Qual a prevalência do Alzheimer no Brasil e no mundo?
O Dr, Gabriel conta que “o Alzheimer é a causa mais comum de demência não só no Brasil, mas no mundo todo, onde se estima que existam cerca de 47 milhões de pessoas vivendo com a doença. No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que cerca de 1,2 milhão de pessoas têm Alzheimer, sendo que a cada ano são diagnosticados cerca de 100 mil novos casos”.
O que causa o Alzheimer?
“O processo completo da causa ainda não é completamente conhecido”, diz o especialista. “A teoria mais aceita é que a doença é causada por uma produção excessiva ou déficit no cleareance (limpeza) dos chamados peptídeos beta amiloides. Esses peptídeos em excesso se juntam, formando placas que ficam entre os neurônios, prejudicando a função deles”.
“Acredita se ainda que uma outra proteína, chamada Tau, também esteja associada com a causa. A função normal dela é ajudar na estabilização dos microtúbulos (estruturas da célula). Porém, quando hiperfosforiladas, essas proteínas também se agregam e formam emaranhados – chamados de emaranhados neurofibrilares – que se acumulam dentro das células e levam o neurônio à morte”.
“Não sabemos ainda por que esse processo se inicia ou, ainda, se essas deposições anormais de proteínas seriam até consequência de outra agressão inicial. Porém, vários tratamentos que buscam modificar a evolução da doença vêm se baseando nessas hipóteses tentando bloquear a deposição dessas proteínas”, conta o especialista.
O Alzheimer só acontece em quem tem idade avançada?
O Dr. Gabriel conta que “a doença se torna cada vez mais prevalente conforme a idade fica mais avançada. Em geral, a incidência de Alzheimer dobra a cada 10 anos após a idade de 60 anos. Estudos mostram que o quadro acomete cerca de cinco em cada 1.000 pessoas na idade de 65 a 70 anos. Porém, esse número aumenta para 60 a 80 pessoas em cada 1.000 em quem tem 85 ou mais anos”.
“Mesmo sendo mais frequente em idades mais avançadas, cerca de 5% dos casos começam antes dos 65 anos de idade, sendo chamados, desta forma, de Alzheimer de início precoce”.
Existem fatores que podem aumentar o risco de desenvolver Alzheimer?
“Não há diferença de risco relacionado ao sexo, embora existem mais mulheres com Alzheimer ao se considerar números absolutos. Mas, isso se deve ao fato de elas terem maior expectativa de vida, não maior risco”. Entretanto, existem fatores que aumentam o risco, diz o médico:
Familiar de primeiro grau com a doença de Alzheimer – aumenta em 10 a 30% o risco de também desenvolver a doença. Se na família existirem duas pessoas (irmãos) com a doença, o risco aumenta para três vezes mais em comparação com o restante da população.
Algumas mutações autossômicas dominantes – elas cursam com risco bastante aumentando de desenvolver Alzheimer. No entanto, correspondem a menos de 1% dos casos e, em geral, causam doença de início precoce, com vários casos na família.
“Embora o quadro genético cause risco que ainda não podemos alterar”, o Dr. Gabriel ressalta que “existem vários fatores de risco que podemos diminuir, são eles”:
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Hipertensão – principalmente na vida adulta (45 a 65 anos), relacionado com lesão de vasos cerebrais que contribuem para o dano neuronal;
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Dislipidemia – colesterol elevado, que pode levar ao acúmulo de beta amiloide e Tau;
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Acidentes vasculares cerebrais e doença cérebro vasculares – em necropsia de pacientes com Alzheimer, até 50% dos pacientes apresentavam também lesões vasculares cerebrais contribuindo para dano;
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Obesidade e diabetes tipo 2 – risco de Alzheimer aumenta em 1,5 vezes;
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Atividade física – indivíduos fisicamente ativos tem risco 28% menor de desenvolver demência e 45% menor de desenvolver Alzheimer;
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Trauma – história de trauma de crânio repetitivo aumenta o risco de demência.
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Medicações – várias medicações foram associadas ao risco de declínio cognitivo em idosos. Porém, este risco, em geral, se mostra transitório e reversível. No entanto, o uso continuado de longo prazo demonstrou aumentar o risco de desenvolver demência para algumas medicações, como benzodiazepínicos e anticolinérgicos.
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Tabagismo – risco aumentado para desenvolver a doença tanto de fumantes ativos tanto quanto aqueles que convivem com fumantes.
Quais são os sinais e sintomas do Alzheimer?
Em geral, a dificuldade de memória é o sintoma inicial mais comum, diz o Dr. Gabriel. “A perda da memória episódica declarativa (memória de eventos que ocorreram em um tempo e lugar especifico) é bastante afetada na doença, principalmente a memória para eventos recentes. A memória para fatos e conceitos (semântica) se torna alterada algum tempo depois. Eventos do passado (memória remota) e memória imediata (como guardar um número de telefone por alguns segundos) são mais preservadas em uma fase inicial”.
Dificuldade em se organizar e fazer várias tarefas simultâneas – além da memória e, principalmente, com o tempo, a pessoa pode vir a ter prejuízo das funções executivas, com declínio da organização, planejamento e habilidade de realizar multitarefas ao mesmo tempo.
Mudanças e humor e alucinações – sintomas como apatia, irritabilidade, isolamento social, agitação, alucinações visuais e táteis podem vir a ocorrer com a evolução da doença. Em geral, esses sintomas vão se tornando mais proeminentes e a pessoa vai perdendo a autonomia e ficando mais dependente dos cuidadores para as atividades básicas com o passar dos anos.
Como é feito o diagnóstico de Alzheimer?
O diagnóstico é clínico, explica o especialista, “quando ocorre um declínio cognitivo insidioso e progressivo da memória e outros domínios cognitivos e exclusão de outras possíveis etiologias”. Mas existem avaliações que podem ser utilizadas para o diagnóstico e, dependendo do caso, alguns exames:
Avaliação clínica – poderá contar com testes de baterias de perguntas que serão feitos com o paciente, sendo importantíssimo que esteja presente na consulta um acompanhante que conheça e conviva com ele, tendo, desta forma, acompanhado o declínio das funções do paciente. Pois, em geral, ele não tem muita percepção dos seus próprios déficits.
Teste neuropsicológico – além da avaliação do neurologista, pode ser solicitado que o paciente realize este teste, que pode auxiliar na documentação objetiva de qual domínio cognitivo está alterado e quanto.
Exames de imagem – como ressonância e tomografia de crânio, não tem o poder de indicar ou excluir a doença de Alzheimer. Porém, são importantes para excluir outras causas de declínio cognitivo, como tumores, sangramentos e hidrocefalia, entre outros.
Biomarcadores – existem alguns que podem auxiliar no diagnóstico de Alzheimer. Mas, ainda não são recomendados rotineiramente para o diagnóstico, sendo mais importantes quando há dúvida diagnóstica. Eles são baseados em dosagens das proteínas beta amiloide e Tau no líquido cérebro espinal e no uso de PET com marcadores amiloide.
Como é o tratamento de quem tem Alzheimer?
O Dr. Gabriel conta que “o tratamento medicamentoso atual é baseado, em uma fase inicial e moderada, no uso de medicações inibidoras da colinesterase. Isso porque o paciente tem um déficit na produção de acetilcolina cerebral e essas medicações aumentam a quantidade dela, produzindo uma melhora sintomática nos pacientes. Na fase moderada a severa, é recomendado o uso do cloridrato de memantina”.
“É importantíssimo ainda o tratamento agressivo de qualquer outra doença que coexista com Alzheimer, como diabetes, hipertensão e dislipidemia, entre outras”, alerta o especialista. “Pois elas podem, por si próprias, levar a danos cerebrais adicionais e aumentar a carga de lesão no cérebro e piorar o quadro clínico do paciente”.
“Deve se também evitar e tratar qualquer tipo de intercorrência clínica, como constipação, desidratação, dores e infecções, entre outras, uma vez que qualquer agressão ao corpo, pode sobrecarregar o funcionamento cerebral de quem tem demência e causar uma piora clínica”.
“Ainda não possuímos medicamentos que revertam ou estabilizem a doença, embora vários estudos com esse propósito estejam sendo realizados neste momento”, avalia o Dr. Gabriel. “O FDA dos EUA aprovou, recentemente, o aducanumabe, que mostrou diminuição da quantidade de placas beta amiloides no cérebro de alguns pacientes específicos”.
Por hora, diz o médico, “essa medicação ainda está sendo utilizada em pesquisas cientificas e há grande incerteza se os efeitos dela terão algum benefício clínico para os pacientes com Alzheimer. No entanto, teremos mais resultados sobre esta e outras medicações nos meses e anos seguintes”.
E possível prevenir o Alzheimer ou diminuir o risco?
“Sim, existem fatores de risco modificáveis que podem ser evitados ou tratados” conta o especialista. Nesse sentido, é recomendado:
- Tratar hipertensão;
- Tratar diabetes tipo 2;
- Não fumar;
- Realizar atividade física aeróbica frequente (150 min por semana);
- Manter uma dieta saudável, pois existe evidência de que a chamada dieta do mediterrâneo tem um efeito protetor;
- Sempre manter o cérebro funcionando, pessoas com maior atividade cerebral tem menor risco de desenvolver a doença;
- Evitar esportes que tenham risco de trauma de crânio;
- Tratar problemas de visão ou surdez;
- Manter uma vida social ativa.
Qual impacto do Alzheimer em quem tem a doença e nas pessoas próximas?
“O diagnóstico de Alzheimer tem impacto na vida do paciente e da família em geral. Após o diagnostico, a família e paciente devem iniciar o planejamento do tratamento da pessoa, que terá, em algum momento, a capacidade de trabalhar reduzida”, ressalta o especialista. “Embora a pessoa possa não conseguir trabalhar de fato, é altamente recomendável que ela se mantenha ativa e incluída em atividades sociais e estímulos mentais”.
“Com o passar do tempo, a pessoa com Alzheimer se torna cada vez mais dependente de outros para o autocuidado, precisando de auxílio para comer, vestir-se, higiene entre outros. O cuidador, que acompanha e cuida da pessoa com Alzheimer, é extremamente importante no tratamento. Muitas vezes, o cuidador é um familiar que se dedica quase que exclusivamente à pessoa com a doença, cuidando e zelando por ela 24h por dia”.
“Ser cuidador pode ser um trabalho bastante cansativo e estressante, sendo que muitos cuidadores evoluem com o chamado ‘estresse do cuidador’, pois estão sob pressão física e psicológica frequente. Embora os cuidadores tenham foco no cuidado da pessoa com Alzheimer, não podem esquecer de zelar também pela própria saúde e procurar auxilio profissional quando sentirem necessidade”, conclui o Dr. Gabriel.
O Dr. Gabriel H. A. A. Bienes é neurologista, membro titular da Academia Brasileira de Neurologia e tem mestrado neurociências. Atualmente, é coordenador de equipe de neurologia do Hospital Leforte Liberdade.
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