Os distúrbios do sono são muito frequentes na população em geral: segundo a Organização Mundial da Saúde, 40% da população brasileira sofre com algum transtorno do tipo, sendo que os mais comuns são a insônia, roncos, apneia do sono e síndrome das pernas inquietas. Além do impacto na qualidade de vida, os transtornos do sono podem causar até prejuízo na saúde e aumentar o risco de doenças cardiovasculares.
Para tirar suas dúvidas sobre o assunto, conversamos com o Dr. Gabriel Bienes, coordenador da equipe de neurologia do Hospital Leforte Liberdade.
DISTÚRBIOS DO SONO – quais os mais comuns? existem dados de incidência na população brasileira ou mundial?
DR. GABRIEL BIENES – um estudo realizado na cidade de São Paulo mostrou que 42% dos paulistanos roncam três ou mais vezes por semana, principalmente pessoas com mais de 50 anos de idade. Este mesmo estudo mostrou que 33% das pessoas têm apneia do sono e 15% sofrem com insônia crônica, embora cerca de 30% de toda a população vai apresentar insônia em algum momento da vida. Durante os meses de abril e maio de 2020, período de maior confinamento durante a pandemia de Covid-19, a palavra insônia foi a mais pesquisada no Google.
No Brasil, não temos dados sobre a prevalência e incidência de síndrome das pernas inquietas, outro distúrbio do sono comum entre as pessoas. Porém estudos mostram que a incidência desse problema é de 2 a 5% entre a população de descendência europeia e norte americana; 0,1 a 0,6% na população descendente de asiáticos e 0,11% na população afrodescendente.
DISTÚRBIOS DO SONO – a pessoa que possui algum problema relacionado ao sono costuma manifestar quais sinais e sintomas? Geralmente ela consegue perceber por si só ou precisa do alerta de outras pessoas?
DR. GABRIEL BIENES – de modo geral, é comum a pessoa com distúrbios do sono apresentar sonolência diurna excessiva, podendo chegar inclusive a dormir enquanto está dirigindo ou conversando com alguém. Além disso, são frequentes sintomas como:
- Dificuldade de concentração;
- Fadiga;
- Falta de energia ou motivação;
- Irritabilidade;
- Dificuldade de memória.
Os transtornos do sono mais comuns na população têm algumas particularidades, como:
Síndrome das pernas inquietas – a pessoa tem dificuldade de pegar no sono devido a uma sensação de desconforto nas pernas durante momentos de repouso, como ao se deitar para dormir, que em geral melhora ao movimentar as pernas ou andar. Normalmente esse desconforto é maior durante a noite do que em cochilos diurnos.
Apneia do sono – pode causar sono entrecortado, com vários despertares, aumento da vontade de urinar durante a noite, dor de cabeça logo ao acordar pela manhã, além dos sintomas de sonolência excessiva diurna. Este distúrbio está relacionado com aumento de pressão arterial durante a noite, bem como o risco elevado de doenças cérebro vasculares, como o acidente vascular cerebral (AVC).
Ronco – muitas vezes, é percebido apenas por outras pessoas. Ele pode ou não estar relacionado com a apneia do sono.
DISTÚRBIOS DO SONO – quais as causas para esses distúrbios do sono? É possível preveni-las?
DR. GABRIEL BIENES – as causas variam de acordo com o tipo de transtorno do sono:
Ronco e a apneia do sono – estão relacionados com fatores que causam estreitamento das vias aéreas superiores, levando à dificuldade da passagem do fluxo de ar. Alguns desses fatores podem ser:
- Obesidade;
- Congestão nasal;
- Anormalidades crânio faciais;
- Hipotireoidismo;
- Hipertrofia de tonsilas.
Síndrome das pernas inquietas – a causa ainda não é conhecida, porém acredita-se que esteja relacionada com alterações na quantidade cerebral de ferro e distúrbios da dopamina, um neurotransmissor que atua no sistema nervoso central. 40 a 60% das pessoas com o transtorno tem história familiar, fazendo a genética ser um forte fator a ser considerado.
Níveis baixos de ferro sanguíneo e elevação da ureia no sangue são outros fatores que devem ser pesquisados e, se possível, corrigidos. Cerca de um terço das gestantes podem manifestar sintomas da síndrome, com melhora após alguns dias do parto.
Insônia – pode ser dividida em insônia aguda, que dura até três meses e se manifesta, em geral, em poucos dias da semana; e insônia crônica, que ocorre mais de três vezes por semana e dura mais de três meses. Geralmente, a insônia está relacionada a um fator estressor identificável – como estresse físico, psicológico e/ou interpessoal – e os sintomas se resolvem quando o fator estressor é resolvido ou quando a pessoa se adapta a ele.
Outros fatores que podem estar relacionados com insônia são:
- Distúrbios de humor – como ansiedade e depressão;
- Problemas de saúde – como incontinência urinaria, insuficiência cardíaca, entre outros;
- Outros distúrbios de sono – a dificuldade inicial de pegar no sono pode estar relacionada com a síndrome das pernas inquietas. Já a insônia de manutenção, em que a pessoa acorda várias vezes durante a noite, pode estar relacionada com apneia do sono, incontinência urinária, ansiedade, entre outros fatores.
DISTÚRBIOS DO SONO – como é feito o diagnóstico dos distúrbios do sono?
DR. GABRIEL BIENES – o primeiro passo é identificar a existência do transtorno do sono e suas consequências. Para isso, o médico pode solicitar que a pessoa faça um diário do sono, na qual ela registrará por algumas semanas vários aspectos relacionados ao sono. Também faz parte da avaliação a pesquisa de outras doenças que possam causar distúrbios do sono.
Para confirmar a suspeita ou fazer uma análise mais detalhada, o médico pode pedir uma polissonografia, exame não-invasivo que monitora a atividade respiratória, muscular e cerebral durante o sono.
DISTÚRBIOS DO SONO – como é realizado o tratamento dos distúrbios do sono? Eles devem acompanhar a pessoa pelo resto da vida?
DR. GABRIEL BIENES – primeiro é necessário é identificar qual distúrbio a pessoa apresenta e se ele é causado por alguma outra doença associada. Cada um dos transtornos tem um tratamento direcionado:
Insônia – as primeiras abordagens de tratamento usadas são higiene do sono e terapia cognitivo comportamental. Se necessário, podem ser prescritas medicações indutoras de início ou manutenção de sono.
Apneia do sono – pode ser tratada com o uso de aparelhos intraorais, perda de peso, reposicionamento durante o sono (no caso de apneia posicional), uso do CPAP – um aparelho que impede que as vias respiratórias se fechem – ou com cirurgias corretivas.
Síndrome das pernas inquietas – pode ser tratada com reposição de ferro, quando necessário, ou com medicações, como a gabapentina.
Embora algumas destas condições podem ser transitórias ou até reversíveis, é adequado que a pessoa mantenha acompanhamento médico para identificar possível piora ou retorno do transtorno.
DISTÚRBIOS DO SONO – o que é higiene do sono e como esse conjunto de hábitos pode auxiliar a pessoa com problemas relacionados ao sono?
DR. GABRIEL BIENES – a higiene do sono engloba ações rotineiras que visam tornar o quarto um ambiente adequado ao sono e, literalmente, preparar o cérebro para dormir. As principais práticas são:
- Ir para cama e acordar no mesmo horário, todos os dias, incluindo os finais de semana;
- Garantir que o quarto seja um ambiente silencioso, escuro, de temperatura confortável;
- Evitar dormir durante o dia;
- Evitar ficar deitado na cama se não conseguir dormir por mais de 20 minutos. Se isso acontecer, é aconselhável sair da cama, ir outro local, ler um livro ou qualquer outra atividade com as luzes baixas e, então, retornar para a cama apenas quando o sono voltar;
- Remover todos os aparelhos eletrônicos, como televisores, computadores e smartphones do quarto;
- Evitar comer muito ou ingerir bebidas alcoólicas ou com cafeína à noite;
- Fazer exercícios físicos diários, porém evitar praticá-los perto do horário de dormir.
DISTÚRBIOS DO SONO – caso não seja feito o tratamento, como os distúrbios do sono podem impactar a vida de uma pessoa?
DR. GABRIEL BIENES – além da sonolência diurna, indisposição, irritabilidade e dificuldade de concentração, alguns distúrbios como apneia do sono estão relacionados com maior incidência de hipertensão, fibrilação atrial e doenças cerebrovasculares. Insônia crônica pode aumentar o risco de diabetes, depressão e doenças cardiovasculares. Dessa forma, o diagnóstico e tratamento destes distúrbios está relacionado com aumento da qualidade e tempo de vida.
Dr. Gabriel Bienes é mestre em neurologia e especialista em doença de Parkinson e distúrbios do movimento pela UNIFESP. Atualmente é coordenador de equipe de neurologia do Hospital Leforte unidade Liberdade.
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Este conteúdo é meramente informativo e educativo, sendo destinado para o público em geral. Ele não substitui a consulta e o aconselhamento com o médico e não deve ser utilizado para autodiagnóstico ou automedicação. Se você tiver algum problema de saúde ou dúvidas a respeito, consulte um médico. Somente ele está habilitado fazer o diagnóstico, a prescrever o tratamento mais adequado para cada caso e acompanhar a evolução do quadro de saúde do paciente.