Para falar sobre as crianças e a pandemia de Covid-19 e o que ela vem provocando nos pequenos, o Grupo Leforte convidou a Dra. Denise Bedoni, que é médica pediatra e coordenadora da Pediatria da unidade Leforte Morumbi e Kids Leforte. A especialista comenta os efeitos do isolamento social e dá dicas de como conscientizar e estimular as crianças para que sigam os cuidados necessários.
CRIANÇAS E A PANDEMIA – Quais são os efeitos que a restrição ao ambiente da casa por um longo período e, eventualmente, a distância da escola, podem causar nas crianças?
DRA. DENISE BEDONI – nós temos percebido nos últimos meses, principalmente, alterações emocionais das crianças e dos adolescentes devido ao isolamento. Em especial ansiedade, quadros depressivos e alguns distúrbios de sono. Pois muitas crianças ficaram com os horários em casa irregulares, desajustados, acordando muito tarde, indo dormir muito tarde… Mas, além das alterações psíquicas e emocionais, também houve uma série de mudanças físicas, com alterações metabólicas e orgânicas devido às mudanças de hábitos por terem ficado em isolamento.
CRIANÇAS E A PANDEMIA – o que os pais ou responsáveis podem fazer para mitigar possíveis efeitos psicológicos negativos nas crianças causados pelo isolamento social?
DRA. DENISE BEDONI – nós temos reforçado a importância da postura dos pais em orientar as crianças que – mesmo em uma pandemia, mesmo isolados, com alteração de rotina escolar – é muito importante em casa manter o básico: o horário de acordar, o horário das refeições e evitar que a criança se estimule demais de noite e vá dormir muito tarde.
O pediatra está tendo um papel fundamental em ajudar os pais a seguir uma rotina metabólica da criança para que os efeitos não sejam tão graves. É muito importante os pais estarem seguros e fortalecidos, pois teremos que ficar isolados. Então, eles não podem deixar a criança com um horário muito confuso, totalmente livre, sem uma rotina muito próxima da que ela teria se estivesse indo para a escola.
CRIANÇAS E A PANDEMIA – como conscientizar e motivar as crianças para que elas adotem cuidados como uso da máscara, distanciamento e higienização frequente das mãos?
DRA. DENISE BEDONI – eu acredito que a melhor forma de orientar os filhos e sensibilizá-los para hábitos diferentes é dando o exemplo. Então, nós – como família, como pais – temos que usar a máscara e praticar o isolamento efetivamente, além de explicar para as crianças a importância de tudo isso neste momento.
Dependendo da faixa etária, elas já têm pleno discernimento e são capazes de entender o motivo das coisas. Não se deve apenas impor uma regra, uma mudança de hábito sem explicar para a criança por que isso é importante. Os pais são os primeiros que devem dar o exemplo de qual postura deve ser seguida ao sair de casa e orientar em quais situações se deve sair, aonde ir e onde não se deve ir.
Por exemplo, quando é feito um convite para uma festa ou qualquer outra coisa, muitas vezes acontece uma intransigência, um conflito, a criança quer ir de qualquer jeito. Mas cabe aos pais explicar para os filhos por que não é possível ir nesse momento e se agrupar, que não é o momento de festejar todos juntos. É necessário sentar com os filhos, explicar com palavras simples a realidade, o que é preciso fazer e que certos passeios e eventos não serão possíveis por enquanto.
É a única forma de manter a família calma, equilibrada. Porque não existe uma fórmula mágica que vai resolver tudo isso. Nós temos que esperar o tempo passar com esperança de que o problema vá diminuindo. Não dá para criar na cabeça uma ilusão, uma situação fantasiosa. O fato real é que estamos precisando nos poupar para que nada seja contaminado e a doença não seja transmitida.
Mas os familiares, principalmente as crianças, têm que participar de uma forma simples, de uma forma mais leve, desse tipo de explicação. Pois há famílias que radicalizam demais na informação e apavoram as crianças. Muitas estão extremamente assustadas, neuróticas, não conseguem fazer coisa alguma, para tudo precisam colocar uma luva. Então, a sintonia dos pais precisa ser muito sensível para captar o ponto que a criança precisa. Não é para exagerar e criar uma neurose.
CRIANÇAS E A PANDEMIA – como administrar nas crianças o estresse pelo medo de contaminação e de ameaça à vida causados por acontecimentos próximos e notícias?
DRA. DENISE BEDONI – eu acredito que a forma melhor é se comunicar. Para tirar pensamentos exagerados ou conceitos errados, a melhor maneira é explicar para a criança e trazê-la para a realidade. Então, dependendo da faixa etária, você explica com palavras simples que ela compreenda o que realmente precisa saber.
Não é preciso criar histórias complicadas, sendo que, para criança, não há necessidade alguma de estender a explicação. Às vezes, ela está com uma dúvida simples sobre esse processo, pois escutou o amiguinho comentar ou a professora. Então, você vai elucidando na medida em que a criança precisa e explica para ela que é um momento delicado, que precisamos evitar que um bichinho fique passando de uma pessoa para a outra e, por isso, o cuidado do isolamento.
Mas é importante ficar atento para não criar um medo exagerado na criança. Porque, senão, o retorno para a atividade dela será penoso demais. Imagine uma criança de sete, oito ou nove anos que fique extremamente amedrontada. A volta dela para a escola vai ser um sofrimento muito maior. Então, é preciso explicar que é um momento apenas, que vai passar e que só durante esse período é preciso se afastar para o bichinho desaparecer. E assim que isso acontecer, vamos voltar para as aulas, para os contatos e será um grande presente para todos nós.
CRIANÇAS E A PANDEMIA – em caso de retorno às aulas presenciais, quais cuidados são necessários, inclusive quando as crianças voltam para casa?
DRA. DENISE BEDONI – é preciso explicar para a criança que o fluxo da escola deve ser obedecido, ou seja, a indicação de onde ela deve se posicionar, onde é permitido andar, onde não é e qual tarefa pode ser feita. O pai e a mãe têm que fortalecer a necessidade de seguir a regra da escola, porque assim a criança estará segura quando estiver nela.
Agora, não adianta nada todo esse processo para a escola ser segura se, ao sair dela, a criança se contaminar. Fora da escola os pais têm que entender que também deve ser seguido um protocolo. Então, quando a criança vai para casa, não pode ir direto beijar a vovó, a titia. Primeiro, é preciso trocar a roupa e fazer a higiene para que ela possa ter contato com os outros da casa.
É um processo que precisa ser explicado. Eu acredito que você fazendo, a rotina sendo criada, a criança assimila muito facilmente, até mais do que o adulto. A criança absorve muito rápido a informação, pois ela está vendo todos os amiguinhos usando máscara, está vendo a professora passar álcool em gel nas mãos das crianças. Então, também vai esticar a mão para passar, isso é natural entre as crianças.
Se a criança for vendo uma rotina, ela assimila e segue, não tem resistência. Em casa, os pais precisam continuar a orientação que a escola deu. Porque, do contrário, se ela chega em casa e vê que não se faz coisa alguma, tudo é tumultuado, pessoas entrando e saindo, de que vale todo o protocolo da escola? Não é para tirar a criança da escola e levar para a festa do pijama ou da piscina na casa do amiguinho. Não se deve compensar a situação tendo atitudes erradas, é aí que vem o problema.
CRIANÇAS E A PANDEMIA – os sinais e sintomas da Covid-19 em crianças são os mesmo que nos adultos? Quando é necessário ficar alerta e consultar o médico?
DRA. DENISE BEDONI – a criança tem manifestado um quadro um pouco diferente do adulto. A doença não se estabelece apenas com um quadro respiratório, muitas vezes é um quadro inflamatório sistêmico. Geralmente, a criança manifesta febre, alguns sintomas digestivos de ânsia, vômito e até diarreia e um mal estar geral, uma reação globalizada. Você vê que a criança está manifestando um quadro de doença, ela para de comer, fica bem jogadinha. Mas, muitas vezes, você não vê um quadro respiratório como o mais evidente.
Algumas crianças fazem um quadro respiratório conjuntamente, apresentando secreção e saturação baixa por falta de oxigenação. Outras desenvolvem a síndrome multissistêmica inflamatória, na qual o vírus acomete várias regiões do organismo da criança. Pela via sanguínea, ele pode atingir vasos sanguíneos e causar vasculites. Às vezes ele afeta os rins e, em alguns casos, o coração, provocando uma pericardite.
Então, nós estamos percebendo que o pediatra precisa ter mais atenção, pois a doença, muitas vezes, não se manifesta com um quadro parecido com o do adulto, que é mais focado na parte respiratória. Mas sim em uma situação sistêmica, na qual a doença se dissemina pelo sangue para vários órgãos.
CRIANÇAS E A PANDEMIA – se a criança for diagnosticada com a doença, quais providências devem ser tomadas em relação à escola e pessoas com quem tinha contato?
DRA. DENISE BEDONI – quando é feito o diagnóstico ou existe uma suspeita importante de Covid-19, é importante os pais comunicarem a escola. Porque já se inicia um processo de observação do grupo ao qual a criança pertencia e que teve contato recente com ela, o que inclui professores e alunos mais próximos.
É muito importante o acompanhamento desse grupo. E como hoje em dia as escolas estão mais bem preparadas e protocoladas, quando um caso assim acontece, a própria instituição pode fazer o monitoramento diário desses alunos e professores. Com isso, as famílias dessas pessoas já devem ficar mais atentas a qualquer sinal.
Então, se alguém tiver manifestações que possam ser indicativas da doença, o médico pode pedir logo a realização de exame para detectar se a pessoa foi infectada pelo vírus. E se for um caso importante confirmado de Covid-19, a pessoa é colocada em isolamento e observada.
CRIANÇAS E A PANDEMIA – quando a criança é diagnosticada com a doença e tratada em casa, quais cuidados devem ser tomados pelas pessoas com quem ela mora?
DRA. DENISE BEDONI – a maioria dos casos de Covid-19 em crianças está sendo tratada em casa. Então, é recomendado que seja feito um isolamento da criança. Deve ser escolhido algum cômodo em que ela possa ficar separada, na medida do possível.
Você tenta fazer o isolamento da criança em casa nas primeiras 48 a 72 horas, evitando que ela tenha contato com outras crianças e adultos e também separando tudo o que ela necessite usar. Além disso, a pessoa que tem contato com a criança precisa sempre usar máscara e álcool em gel. Assim, além de evitar a transmissão, é possível fazer o monitoramento da evolução da doença.
Mas, se o quadro clínico for piorando nesse período de tempo, vai ser necessário levar a criança para o hospital. Por isso, é muito importante que ela fique em um ambiente de fácil acesso, mas isolado dos outras pessoas da casa.
CRIANÇAS E A PANDEMIA – depois que a criança foi infectada pelo novo coronavírus, ela fica imune a uma nova infecção?
DRA. DENISE BEDONI – ainda é incerto se a criança que já teve Covid-19 pode ser infectada novamente. Nós vamos ter que estudar por causa das variantes do vírus, que não temos ideia de quando e com que frequência podem surgir. Por isso, a grande esperança são as vacinas e que tenhamos, depois da segunda dose, uma titulação de anticorpos que nos proteja por um bom tempo até contra essas variantes.
Quando você toma a vacina ou tem a doença, o seu organismo vai produzir anticorpos de defesa. Na fase aguda da doença, normalmente o organismo produz um nível alto de anticorpos IgM. Mas, passada essa fase ou a vacinação, o organismo começa a produzir os anticorpos de memória algum tempo depois, que são os IgG. Então, se o exame mostrar o IgM positivo, é um momento muito crítico, pois você ainda está na vigência da doença, sendo necessário manter repouso, isolamento e todos os demais cuidados. Depois de algum tempo da doença ou da vacinação, o que se espera é que suba a titulagem de IgG e que ele fique um bom tempo presente no organismo para possibilitar uma imunidade duradoura.
Mas tudo em relação ao novo coronavírus ainda está sendo estudado. Principalmente na pediatria. Estamos vendo qual será a titulagem adequada para imunizar a criança e por quanto tempo o IgG vai conseguir ficar em circulação para manter essa imunidade. Quando os exames mostram que a quantidade de IgG está alta, nós ficamos um pouco mais tranquilos, porque parece que a criança está sendo protegida. Então, essa é a nossa esperança: que ela vá criando anticorpos de defesa e que eles fiquem em um título alto no sangue para que a doença não volte.
CRIANÇAS E A PANDEMIA – as variantes já identificadas do vírus provocam reações mais graves nas crianças?
DRA. DENISE BEDONI – o que tem sido observado nas crianças são os mesmos sintomas. Geralmente, um quadro sistêmico. Não temos visto muitas alterações, na verdade, é o quadro que volta. Mas, nas crianças, não temos observado isso tanto quanto nos adultos. Precisamos estudar muito o vírus nelas, pois também não estamos tendo tantos casos quanto nos adultos. Mesmo com as variantes, não constatamos um aumento de casos na magnitude que observamos nos adultos.
De uma maneira geral, o número de casos começou a aumentar de dezembro de 2020 para cá. Acredito que devido a uma abertura maior dos adultos e de muitos acharem que o número de mortes tinha diminuído um pouco e que, com isso, seria possível viajar e manifestar um pouco mais de liberdade nas festas. Então, por causa desses processos, dessas posturas equivocadas, começou um aumento.
Nas crianças, nós observamos isso. Em todos os estados do País houve um aumento de setembro do ano passado até março de 2021. Em alguns estados do Nordeste o crescimento nos casos de crianças foi na ordem de 70%. Mas, mesmo com os casos de pediatria aumentando, ainda foi possível atender a demanda nas UTIs e enfermarias, pois só uma menor parte das crianças manifesta um quadro mais grave. A maioria acaba sendo assintomática ou com sintomas leves que são resolvidos em casa.
É muito importante que a sociedade e os pais se conscientizem em relação à proteção das crianças. Elas estão transmitindo a doença porque estão pegando dos outros. Isso é muito triste, porque elas pegam a doença dos adultos. Elas estão em casa, no ambiente domiciliar, e estão sendo contaminadas porque existem pais que não estão tomando o cuidado necessário. Então, é preciso sensibilizar os pais e as famílias para levarem a sério essa situação. Eles estão se contaminando, adoecendo e passando para as crianças o vírus – e elas não têm como se proteger!
A Dra. Denise Bedoni é coordenadora da Pediatria da unidade Leforte Morumbi e Kids Leforte.
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